ATENÇÃO: O texto a seguir não tem intenção de anular ou menosprezar nenhuma religião. Sua produção foi baseada em dados históricos, retirados de livros e de documentos da internet. Minha intenção aqui é apenas dar luz ao tema através de conhecimentos psicológicos e religiosos. Lembre-se: nenhum texto é isento de opinião. Nenhum.
Arquétipo? Anjo caído ou divindade?
Antes de começar a explorar a ilustre figura que se apresenta neste texto, acho que é importante eu situá-los. Venho tendo essa curiosidade quanto a identidade de Lúcifer já faz um tempo. Ela veio na bagagem dos estudos sobre ocultismo e magia, mas aquela magia alá Eliphas Levi, um nome de extrema importância dentro do ocultismo. Desde então, venho colhendo informações tanto de dentro do paganismo, quanto de fora, me aprofundando na religião hebraica, no cristianismo, catolicismo, entre outros. No meio disso, também tive a oportunidade de adquirir e ler o clássico literário cristão “Paraíso Perdido” do escritor inglês e avidamente republicano John Milton. Como todo clássico, o livro é muito mais do que um reconto do Gênesis, havendo nas entrelinhas uma crítica ferrenha a monarquia inglesa da época. Digo isso, pois seu protagonista e herói é ninguém mais ninguém menos que Lúcifer, ou melhor dizendo, Satã (em hebraico, “o inimigo”), que é o nome que ele recebe após se rebelar e cair. E como nessa história Deus é descrito como um tirano, é muito fácil nos afeiçoarmos por Satã, pois seus sentimentos são... humanos. Ele é orgulhoso e ciumento, mas apaixonado e psicologicamente complexado.

(Personagem Lúcifer/Satã de "Paraíso Perdido" (John Milton). As gravuras pertencem ao pintor Gustave Doré.)
Com as leituras e estudos, fui percebendo que Lúcifer era muito mais que uma divindade misteriosa, mas um arquétipo. Arquétipo este que, como o próprio conceito de Jung explica, está presente em todas as mitologias. Vamos a uma definição mais explicadinha, pois psicologia nunca é demais:
[um] conjuntos de ‘imagens primordiais’ originadas de uma repetição progressiva de uma mesma experiência durante muitas gerações, armazenadas no inconsciente coletivo.
Essas imagens primordiais, ou apenas
padrões, estão presentes numa espécie de reservatório o qual Jung denominou de inconsciente coletivo, recolhendo
sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por toda a humanidade. Ainda
é muito pouco para definir um conceito tão complexo e importante da psicologia
analítica, mas basicamente, Lúcifer é um conceito. E um conceito universal, não podendo ser, portanto,
limitado a uma fé ou credo específico. E sobre o que basicamente o arquétipo
luciferiano trata? Esse arquétipo, ou mito, diz respeito a uma entidade divina que,
por ação própria e deliberada se rebela contra a autoridade divina máxima em
favor da humanidade e, com isso, acaba banido ou perde sua condição divina.
Podemos exemplificar tal arquétipo com os seguintes mitos ou personalidades
mitológicas: o deus Set (ou Sífon) dos egípcios, a entidade hindu Shukra,
Quetzalcoatl (ou a Serpente Emplumada) entre os maias e astecas, a
desobediência de Lilith e Pandora, além do mito do titã Prometeu, da mitologia
grega, que rouba o fogo divino do Olimpo e o entrega a humanidade.

(Esquerda à direita: Seth, Pandora e Prometeu.)
Aliás,
esse mito está intimamente ligado à sedução de Eva pela serpente, que come o
fruto proibido e marca a queda da humanidade, pois a maioria desses elementos
estão presentes na história grega também. Zeus ligado ao Deus cristão, como a
autoridade divina intolerante, que não permite que a humanidade ascenda ao
conhecimento – afinal de contas isso não era lá muito vantajoso, por que vai
que a galera decidisse fazer um motim contra os deuses, né? – o fogo que
corresponde ao fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, e, por último, mas não menos importante,
Prometeu relacionado ao anjo caído, que desobedece a lei máxima e ambos são
castigados por isso. Interessante lembrar que, não apenas Prometeu recebe uma
punição, mas a humanidade também. E adivinhem com o que? Um dilúvio! Muito
semelhante à história da Arca de Noé, não é mesmo? Esta aí. Mais um arquétipo!
Embora
conceitualmente parecidos, é importante não confundir correspondentes
mitológicos com arquétipos. Os dois andam juntos, porém são conceitos
diferentes. E por que eu entrei nesse tema? Certa vez, aqui no blog, comentei
no post “(O)culto: Apolo & Afrodite” que Apolo era um dos correspondentes
gregos de Lúcifer. Tomo essa oportunidade para me aprofundar melhor sobre isso,
mas para tanto se permita pensar agora em Lúcifer como divindade espiritual. Se
pararmos para investigar mais a fundo, descobriremos que Lúcifer foi,
primeiramente, Dianus Lucifero, o antigo deus das bruxas italianas. Sim,
senhoras e senhores, há um deus de mesmo nome dentro da antiga religião
italiana ou Stregheria. Pode parecer confuso no começo, devido a séculos de
ideais cristãos enraizados no nosso sub-consciente, porém a Stregheria se
define como um culto pagão, ou seja, pré-cristão. Abordarei isso novamente mais
para frente, deixe a ideia esquentar os seus miolos e desfrute de mais uma
mitologia.
Dianus
Lucifero é irmão, filho e consorte da deusa Diana – correspondente de Ártemis
na cultura grega –, é o Portador da Luz e Senhor do Esplendor, além de ser o
Senhor da Estrela Matutina e Vespertina para os romanos. É também denominado de
“Dis” em seu aspecto de Deus da Morte e do Além Mundo (semelhante a Hades,
não?) e como “Lupercusem” em seu aspecto de Criança da Promessa, portador da
esperança e da Luz. Assim como Diana e Hécate – ainda que algumas fontes
indiquem que essas deusas são, na realidade, uma só – Dianus Lucifero também possui
três aspectos:

(Representação de Dianus Lucifero por Mario Rapisardi.)
·
O Cornífero: Senhor das Florestas Selvagens e Deus
da Fertilidade, da Sexualidade, da Vida e da Morte;
·
O Encapuzado: Senhor dos Campos e das Plantações;
Rei da Colheita e Senhor da Flora; Rex
Nemorensis; semelhante ao Greenman ou
Cernnunos dos celtas;
·
O Ancião: Senhor da Sabedoria e Guardião dos
Santuários.
Resgatando
o conceito de sincretismo religioso
e me dando a ousadia de apontar que o paganismo veio antes do cristianismo (por
questões de praticidade) é possível, então, corresponder a figura de Dianus
Lucifero tanto ao Lúcifer bíblico quanto a Baco, Dioniso, Apolo, Pã, Tagni da
mitologia etrusca, entre outros. Mas é o deus Eósforo ou Fósforo que se define
como o corresponde direto deste Lúcifer italiano, pois seu nome também se
traduz como “Estrela D’Alva” ou “Estrela da Manhã”. Eósforo é filho de Eos,
deusa da Aurora e irmão de Héspero, a “Estrela Vésper”. Enquanto na mitologia
romana, Dianus Lucifero é filho de Astraeus e Aurora em algumas fontes ou de
Cefalus e Aurora em outras.
Certo, mas como ele foi de um deus para um anjo caído?
Existem muitas teorias históricas que explicam isso, mas como eu não sou nenhuma historiadora (longe disso), pegarei a explicação que for mais de acordo com a minha perspectiva. Evidentemente que não podemos nos esquecer do fator ideológico e de crenças que este texto contém: eu sou pagã, não acredito na mitologia cristã, por conseguinte não acredito no Diabo. Pois bem. É importante que antes de discorrer sobre essa parte nos deparemos com a seguinte informação: O nome Lúcifer não aparece nas versões mais antigas da bíblia. Ele foi acrescentado somente na tradução de Jerônimo, nó século IV AEC, como um adjetivo que significa “anjo de luz”. São Jerónimo usa pela primeira vez a palavra “lúcifer” na versão em latim da bíblia, a Vulgata, para traduzir a palavra hebraica heylel, nome dado ao planeta Vênus – que por sinal também é uma correspondente de Lúcifer devido ao fato de, no paganismo, também poder ser chamada de Estrela D’Alva e ser associada ao amor, erotismo, guerra e fecundidade – e na passagem de Isaías 12:14 (não irei me aprofundar nesta última informação, pois há quem diga que esta passagem se refere à um rei e não a um anjo caído). O próprio Jesus já foi chamado de “estrela da manhã”, evidenciando mais ainda a palavra como característica e não como nome (para vocês verem como a etimologia, o estudo da origem e da evolução das palavras , deve ser valorizado!).
Apenas lá para o século IV que a associação de Lúcifer
ao demônio se intensificou. Antes disso o nome era relativamente normal,
havendo, inclusive, um bispo denominado São Lúcifer de Cagliari, que até hoje
gera muita confusão no meio católico. Apesar da Igreja ter declarado
oficialmente não atribuir mais o papel do Diabo à Lúcifer, há quem ainda
associe o título ao anjo, menosprezando suas propriedades e reduzindo-o à escuridão,
mas algo que poucos sabem é que o próprio Diabo não é uma invenção cristã. Pois
é, um nome semelhante – na verdade, um título – também é mencionado no Corão, o
livro sagrado dos Muçulmanos, e na Torá dos judeus. E embora a visão cristão de
Satã como adversário de Cristo seja algo muito forte e enraizado, a verdade é
de que trata-se muito mais de um título relegado aos inimigos, opositores e
traidores do que propriamente uma entidade, havendo inclusive uma conhecida
tradução do nome: “Aquele que se opõe”, que acaba sendo muito mais adequada.
Ainda no mesmo assunto, acho que vale a pena trazer um pouco de contexto também. No texto sobre sincretismo religioso do blog, comentei um pouco sobre a ascensão do cristianismo e o consequente declínio do paganismo. Também apontei que, de maneira estratégica, para trazer mais adeptos a esta nova religião os cristão “puxaram” algumas características das mitologias pagãs, inserindo-as em sua mitologia própria. Entretanto, algumas simbologias foram maliciosamente deturpadas como, por exemplo, os chifres, que na antiga religião representava fertilidade, poder, sabedoria, abundância. Ao estudar mitologia grega, egípcia e celta, é comum encontrarmos personalidades chifrudas como Dioniso, Pã, Hathor, Cernnunos, entre outros. Por fim, Lúcifer seria tragicamente confundido com o inimigo de Cristo e da humanidade, se tornando a imagem do Diabo e sendo deformado pelo medo e ódio. Pelos cresceram de seu corpo desnudo e cornos brotam de sua testa, que agora evidenciam o Mal, o terror, aquele que seduz e ludibria com magia negra.
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| (Esquerda à direita: Pã, Hathor e Cernunnos.) |
E a figura de Baphomet? É o diabo?

(Representação de Baphomet pelo ocultista Eliphas Levi.)
Novamente trazendo Eliphas Levi para a
conversa, a figura de Baphomet ainda é muito recente. Aliás, o desenho acima é
moderno, mas a deidade é muito mais antiga do que sonha nossa vã filosofia. Apesar
de todos associarem a figura de Baphomet com o Diabo por conta das
características animalescas e do pentagrama, os dois não são o mesmo nem de
longe. Embora o bode de Levi apresente muitas propriedades semelhantes ao anjo
caído, como o fato de ser uma personalidade sábia que traz e inspira
conhecimento, ele é a compilação e o resumo de uma série de ensinamentos
místicos e filosóficos. Foi mencionado primeiramente durante as Cruzadas, porém
foi só em 1307, na França, que o nome Baphomet e todo mito que o cerca veio à tona,
através da caça de alguns templários que foram acusados de vários crimes,
dentre eles os de heresia e conspiração contra o papa. Durante uma
sessão de tortura, estes cavaleiros acabaram confessando boa parte de seus crimes
dizendo, inclusive, que cultuavam um demônio de aparência bestial chamado
Baphomet, porém não se sabe dizer se isso procede, pois as torturas podiam muito
bem tê-los induzido a isso. Algum tempo se passou e Baphomet ganharia a
representação pela qual seria mundialmente conhecido através das hábeis mãos de
Levi e do ocultismo. A figura é tão profunda e detalhada que eu poderia passar
o dia todo explicando o que cada símbolo significa, mas basta dizer que o
Baphomet de Levi é uma grande mistura de simbologia filosófica, histórica e
religiosa, apresentando também muitas menções a alquimia e o hermetismo. Em
últimas palavras, Baphomet faz alusão ao homem em comunhão consigo mesmo, é
sobre superarmos nossos defeitos e nossas fraquezas e encontrarmos o divino que
habita em todos nós. É um arquétipo/deidade muito cultuado e valorizado nos meios esotéricos, principalmente dentro das escolas iniciáticas e na maçonaria, sendo um exemplo a (tentar) alcançar.
Como cultuar Lúcifer?
Apesar de muitos ainda temerem a persona da qual os falo neste texto, existe no meio mágico quem cultua Lúcifer como divindade do paganismo, assim como aqueles que cultuam sua versão de anjo caído, dentro de um antro mais cristianizado. Há também aqueles que preferem apenas internalizar o arquétipo, pois é normal que o arquétipo luciferiano se apresente como uma sombra dentro do sujeito (mas nem sempre, viu?). Eu, por exemplo, uso o arquétipo como se fosse uma maneira filosófica de viver a vida: Lúcifer questiona, traz o pensamento crítico e nos faz pensar de perspectivas diferentes. Ele duvida e nos adverte para não acreditarmos em tudo o que vemos, sempre em busca do conhecimento que mais nos faz sentido. De toda forma, passo agora um guia rápido que encontrei na internet em um blog chamado "Dez mil nomes" para aqueles que querem fazer oferendas e cultuá-lo:
- Invoque Dianus Lucifero para: criação, fertilidade, sexualidade, vida, morte, natureza, colheitas, sabedoria
- Aromas e ervas: plantas solares como o Girassol
- Cores: Dourado, laranja e vermelho
- Pedras: Ágata do Fogo, Cornalina, Granada, Hematita, Jaspe Vermelho, Rubi
- Face do Deus: Todas
- Elemento: Fogo e Ar
- Estação do ano: Verão


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