Guia de Estudos com Tarô

ATENÇÃO: 

Isto não é uma apostila e não tem intenção de ENSINAR tarô. Meu objetivo com este guia é direcioná-los para as fontes certas, além de orientá-los melhor no "como" estudar tarô e outros temas que possam contribuir nos estudos tarológicos. 

 

Acredito que, antes de começar este guia propriamente, seja interessante contar um pouco sobre a história de como entrei nesta arte. Quando comecei a estudar religiões e bruxaria, o tarô sempre aparecia para mim, mas eu nunca dei bola. Aliás, eu sempre recusei a ideia de estudá-lo por conta de um preconceito muito enraizado: eu acreditava piamente que tarô era charlatanismo e sequer sabia das suas outras funcionalidades. Porém, meio que do dia pra noite, essa arte começou a chamar a minha atenção. E quanto mais eu estudava, mais eu me fascinava. Eis que um dia descobri que o tarô tinha tudo a ver com a linha psicológica que eu estudava na faculdade: a psicologia junguiana ou psicologia analítica. Depois disso foi só paixão; dormia pensando em tarô e acordava pensando em tarô. Decidi procurar um curso e encontrei uma promoção  na Udemy. Quando comecei a estudar essa arte, não imaginava que ela pudesse mudar tanto minha vida,  seja em aspectos espirituais, psicológicos, comportamentais e até materiais. Hoje, depois de um ano e alguns meses de estudo e prática, sinto-me confortável para sugerir um melhor direcionamento para vocês, para que não percam tempo (como eu, no início, perdi) com o que não vale a pena. Faço também algumas recomendações especiais de canais do Youtube para quem está entrando agora no universo do tarô e não quer investir em um curso pago: Diário da Bruxa (indico todos os vídeos da Prih Ferraz, são super didáticos, aprofundados e divertidos), Wayner Lyra Tarot (o Wayner é uma personalidade muito famosa no meio tarológico, não apenas por explicar os arcanos de maneira descontraída e original, mas também por contar experiências pessoais muito interessantes para o seu aprendizado), Conhecimentos da Humanidade (também indico com o coração os vídeos do pessoal do CDH, pois há associação do tarô com outros temas, como simbologia, psicologia, cultura, entre outros). Acesse o conteúdo desses canais clicando em cima do nome e divirta-se!


1. CADERNO TAROLÓGICO


Sim, pode parecer batido, mas se todos falam para fazer, talvez tenha um motivo, não? E quando eu falo caderno, não precisa ser necessariamente algo físico. Hoje em dia existem muitas ferramentas de anotação - como Word, bloco de notas, Google Drive - que permitem anotações e inclusive a criação de uma pasta bonitinha só pra isso. Não gosta de digitar? Esta é uma dica de ouro: abra seu WhatsApp e crie um grupo com você e um amigo seu. Com o grupo criado, exclua o seu amigo. Só ficará você no grupo, ou seja, você pode mandar mensagens ou áudio para você mesmo guardar. Eu faço isso até hoje. Nos meus atendimentos, coloco o nome do consulente e o tipo de tiragem e gravo áudios para mim mesma fazendo a interpretação das cartas. Depois encaminho os áudios para o consulente. Muito demais, né?  Esse caderno, pasta ou documento não precisa ser uma espécie de diário, mas tenha em mente que é interessante atualizá-lo de tempos em tempos, pois quando começamos a estudar tarô é normal termos alguns insights com o passar do tempo. Você pode usá-lo para:

    

Percepções pessoais e teóricas das cartas; 

O que a carta te lembra; 

O que a carta te faz sentir; 

Filmes, livros, séries que você associa com a carta; 

O porquê de gostar de uma carta; 

O porquê de não gostar de uma carta; 

Sonhos que teve com uma carta; 

Métodos de tiragem que achou interessante; 

Anotações de cursos sobre tarô; 

Anotações de lives sobre tarô que viu no Instagram/Youtube; 

Insights que teve com uma carta;  

Associações que fez de uma carta de tarô com outros assuntos 

 

Com esse último tópico, pego o próximo passo para falar também sobre a importância de estudar, não apenas o tarô, mas outros temas que agregaram e, tenho certeza, podem agregar também aos seus estudos. 



2. OS PILARES

Quando você, por exemplo, quer estudar algum assunto mais profundamente, você nunca estuda exclusivamente o tema. Exemplo: amo literatura. Com doze anos, eu só lia narrativa fantástica, depois fui partindo para a filosofia, e a filosofia me encaminhou para outras áreas de conhecimento, como a psicologia e antropologia, o que me foi agregando bastante intelectualmente. Mais um exemplo: suponhamos que você goste de educação física. Se você quiser se especializar nisso, você não irá apenas se exercitar, jogar bola, ou estudar os melhores alongamentos. Você estudará anatomia, fisiologia, a história da profissão, a importância social da educação física... correto? Esse interesse pelo tema (de forma mais ampla) é quase natural. Pois com o tarô não é diferente. Quem estuda o tarô em si (o significado das cartas, no caso), não está fazendo bom uso dessa ferramenta (polêmica rs). 

Mas enfim, com que outros conhecimentos você pode aprofundar seus estudos e sair das interpretações generalizadas e batidas?


 


        Já dizia a grande professora Lúcia Helena Galvão: "a vida está a todo momento tentando comunicar-se conosco". Porém, o quanto dessa informação a gente permite dialogar com nosso intelecto? Será que estamos mesmo preparados para receber essas informações? Ta aí! Muitos de nós não estamos, pois estamos a todo momento consumindo conteúdos de qualidade questionável da mídia, entretenimento barato, cultura de massa, entre outras "porcarias" que não permitem o nosso desenvolvimento intelectual. Não, eu não digo para você parar de ver Big Brother Brasil (até por que eu amo também), porém precisamos ter a consciência de que esse tipo de material não agrega essencialmente à nossa vida. Permite, sim, uma risada aqui e acolá, mas fora isso... nada. Certo, mas o que isso tem a ver com tarô? Muito provavelmente você já viu nos seus estudos tarológicos que as cartas são constituídas de símbolos. As ilustrações são conglomerados simbólicos milimetricamente analisados e encaixados no cenário da carta. Nos arcanos, nada é destituído de significado. Porém, não é todo mundo que entende o significado de um determinado símbolo. Acredito que muitos saibam que, por exemplo, uma rosa vermelha está simbolizando paixão, fogo criativo, instintos, desejos. Mas e uma fechadura? E o pico de uma montanha? Ou talvez um simples cachorro? A habilidade de compreender a linguagem simbólica fica cada vez mais comprometida quando nos permitimos apreciar apenas a linguagem racional.

        O nosso inconsciente dialoga conosco o tempo todo, mas esse diálogo não é feito por meio de palavras... ele é feito através dos símbolos! E tem mais... O tarô é uma porta para o inconsciente, portanto, juntando as informações, não é possível entender o que nosso inconsciente quer comunicar se não somos fluentes nessa língua. Tendo esclarecido isso, é imprescindível que nós, eternos estudantes de tarô, nos coloquemos na missão de trabalhar o nosso racional para pensar (e decodificar) a linguagem simbólica. Algo muito importante de se levar em conta é que os sonhos se formam dentro do nosso inconsciente, com toda aquela sequência aleatória (absurda muitas vezes) de cenas que simplesmente não conseguimos compreender. Com razão, pois isto é, afinal de contas, algo que está sendo transmitido simbolicamente. Sonhamos símbolos

E como podemos exercitar essa expressão simbólica? De modo geral, artisticamente. Mas não, você não precisa ser um Van Gogh ou um Beethoven para tal, pois o que importa aqui é deixar a sua imaginação ativa te levar. Com a ajuda do tarólogo Lucca Ferronatto, exponho aqui algumas sugestões: 

 

Desenho livre; 

Dança; 

Apreciação de pinturas; 

Apreciação de cinema simbólico; 

Música; 

Poesia; 

Arquitetura; 

Meditação

             

        Ao exercitar a leitura simbólica com essas práticas, procure esquecer o lado racional e busque interpretar. De imediato, muita coisa irá te deixar perplexo, pois não estamos acostumados com esse tipo de obra. Ela ainda não faz sentido para nós. Cito abaixo algumas sugestões de autores que podem te dar um empurrãozinho nessa empreitada:

 


Hieronymus Bosch (pintura) 

Salvador Dalí (pintura) 

Pablo Picasso (pintura) 

Alejandro Jodorowsky (cinema) 

Manoel de Barros (poesia) 

Arnaldo Antunes (música)

Paulo Leminski (poesia) 


Gabriel García Márquez (literatura) 

Radiohead (música) 

Lewis Caroll (literatura) 

Antoni Gaudi (arquitetura) 

Hayao Miyazaki/Estúdio Ghibli (cinema) 

Guilhermo del Toro (cinema)


Algo que também vale a pena sugerir é a meditação com algum arcano do tarô. Faça isso de maneira deliberada escolhendo a que mais te atrair e/ou escolha aleatoriamente. Este é um exercício muito proposto para quem está procurando se aprofundar no universo dos arquétipos e quer ter uma experiência mais sensitiva. Proceda da seguinte forma: sente-se confortavelmente em um horário e lugar onde não será incomodado. Acenda uma vela branca e deixe-a alguns palmos de você. Olhe para a chama amarela, reparando nos mínimos detalhes e foque em sua respiração. Inspire, prenda o ar por quatro segundos, expire, prenda por quatro segundos novamente. Repita até sentir-se em estado meditativo. Agora, olhe para a carta e aprecie cada símbolo. Repare na cor, nos animais, nas flores, se está de noite ou de dia, como é o personagem da carta, que roupas veste, o que parece lhe transmitir... Feche seus olhos e imagine-se dentro do cenário da carta. Perceba como é este mundo e apenas crie. Não é uma receita de bolo, cada um visualiza e percebe o arcano de uma maneira diferente. Não se sinta incapaz ou menor se não conseguir interagir com esse cenário de maneira qualitativa. Como toda meditação, isto é um processo. Mas algo que você não pode deixar de fazer (por menor que lhe pareça o que você imaginou) é anotar ou gravar os áudios para si mesmo, conforme eu já orientei lá em cima. 

Você pode estudar mais didaticamente sobre simbologia cotidiana nos vídeos do canal "Artétipos" (acesse aqui: Símbolos). Concluída esta lição, passemos para a próxima, que é a que mais me ajudou no estudo do tarô...

 

Este é, de longe, o que eu mais recomendo. Não apenas por ter sido o principal método que utilizei para compreender os arcanos, mas porque é sempre muito mais simples entender uma carta quando se tem uma historinha por trás dela;  a mitologia vai nos proporcionar justamente isso. Existem muitos decks que utilizam panteões mitológicos para representar os arcanos: 

 

"O tarô mitológico" de Liz Greene e Juliet Sharman-Burke (panteão greco-romano); 

"Tarô egípcio Kier: conhecimento iniciático do livro de Thoth" de Bibiana Rovira (panteão egípcio); 

"O tarô dos orixás" de André Mantovanni (panteão yorubá); 

"Tarot of the golden wheel" de Mila Losenko (panteão eslavo)

 

    Eu recomendo fortemente o uso da mitologia como método de aprendizado autodidata. É muito mais fácil aprender quando alguém nos dá exemplos e não ficamos apenas ali na teoria. Quando observamos a carta que saiu em uma tiragem, é normal “dar branco” (por que nos forçamos a decorar o que lemos), mas, quando se tem uma história por trás, o entendimento se torna mais nítido (automático). Além disso, mitologias são compostas por arquétipos - conceito que explicarei com mais detalhes no próximo passo - que são ilustrados e transmitidos pelos arcanos maiores e menores. Vale acrescentar também que a Jornada do Louco é algo recorrentemente estudado no campo dos estudos mitológicos, porém é identificada com outro nome: a Jornada do Herói ou Monomito. Conceito nomeado e desenvolvido por Joseph Campbell, um dos nomes mais célebres da antropologia, que explica a estrutura de uma jornada cíclica presente nos mitos e, posteriormente, em histórias fantásticas da literatura e do cinema. Você já percebeu que narrativas como "O Senhor dos Anéis", "Harry Potter", "Star Wars" são muito semelhantes estruturalmente? Isso porque seguem os "estágios" que são descritos por Campbell. 

    De maneira resumida, na Jornada do Herói, o antropólogo definiu três sessões (cada uma contendo doze estágios) : A Partida, A Iniciação e O Retorno. A Partida lida com o herói aspirando à sua jornada; a Iniciação contém as várias aventuras do herói ao longo de seu caminho; e o Retorno é o momento em que o herói volta para casa com o conhecimento e os poderes que adquiriu ao longo da jornada. Agora, enquanto lê os estágios, relembre narrativas fantásticas que tenha visto e compare uma com a outra para ver se faz sentido... Ah, e não esqueça de pensar também no tarô!

 

Figura 1. Ouroboros

 

"Jornada do Herói"

por Joseph Campbell



1º Mundo comum – É a zona de conforto do personagem. O mundo que vive e conhece como a palma da mão. É a vida cotidiana e suas atividades: a casa, o trabalho, a escola, a academia. 

 

2° O chamado da aventura – O ponto em que o herói se dá conta de que as coisas à sua volta vão mudar e que ele tem um dever.

 

3º Recusa do chamado – Porém, o personagem recusa ou demora para aceitar o desafio ou aventura. Na maioria das vezes, tem medo. Porém, uma motivação desconhecida vem até ele.

 

4° Palavra do mentor – É quando o herói encontra o mentor, que o convence a aceitar o chamado e passa a ser o responsável pelo desenvolvimento de suas habilidades. Este mentor geralmente é alguém mais velho e mais experiente.

 

5° Travessia do limiar – Ponto no qual a pessoa deixa os limites conhecidos de seu mundo e se aventura em um ambiente novo, desconhecido e perigoso. 

 

6° Aliados e inimigos – Quando entra no novo mundo, enfrenta testes, inimigos e encontra aliados. Assim, aprende as regras desse ambiente e sua funcionalidade.

 

7º Fronteira de perigo – O herói tem êxito nas provações e segue a jornada Chega, então, a outra fronteira: um lugar mais perigoso onde está o objeto de sua busca. 

 

8º Provação difícil – Ocorreu uma crise. É o momento de maior tensão que pode pôr tudo a perder ou definir o êxito da jornada.  

 

9º Recompensa ou elixir  – O herói enfrentou seu maior desafio, se sobrepõe ao seu medo e obtém uma recompensa (que pode ser metafórica): o elixir. É hora de regressar.

 

10º O caminho de volta – O caminho de volta é onde começa o terceiro ato da trajetória. O herói ainda está no mundo novo e corre perigo. Os inimigos estão de olho. 

 

11º Ressurreição do herói – Outro teste. O herói enfrenta a morte e deve usar tudo que foi aprendido. Essa etapa é uma espécie de exame final, a última provação. 

 

12º Regresso com o elixir – A volta para o ambiente original. Metáfora para o líder que aprendeu algo novo e tem a chance de dividir o conhecimento que agora detém.

 

Agora... posso te contar um segredo? Essa estrutura de narrativa não está presente apenas na mitologia, cinema e literatura. Não. Essa é a Jornada do Ser-Humano. Suba e reveja com a seguinte mentalidade: em que momento da minha vida eu recebi uma espécie de chamado? Quem foi o meu mentor para essa aventura que eu nem sabia que enfrentaria? Quais os obstáculos que eu precisei superar no limiar entre o meu mundo e o desconhecido para alcançar os meus objetivos? Quando entrei em crise e pensei que tudo estava acabado, querendo ir ao encontro do ninho novamente? Pois bem. Essa é a Jornada do Herói - a Jornada do Louco no tarô - onde nós somos os Loucos da nossa própria história, encontrando mentores, amores, inspirações, desafios e, no fim de tudo, autoconhecimento. Tratando-se de mitos, recomendo a leitura e a interpretação dos citados abaixo envolvendo os seguintes personagens:


Eros e Psiquê (panteão greco-romano);

Prometheus (panteão greco-romano);

Hefestos (panteão greco-romano);

Icarus (panteão greco-romano);

Deméter, Perséfone e Hades (panteão greco-romano);

Ísis, Osíris e Hórus (panteão egípcio);

Rei Arthur (panteão celta);

Loki (panteão nórdico);

Caim e Abel (panteão cristão);

Lúcifer (panteão cristão)

 

Anote as suas impressões, semelhanças entre um e outro, algo que tenha chamado especialmente a sua atenção. Qual arcano do tarô você associaria o mito lido? Com qual arcano solucionaria uma questão relatada na história? E outras anotações que a sua criatividade possa te induzir a fazer. Para finalizar, indico o canal da "Nova Acrópole" para degustarem de mitologia analisada filosoficamente (e maravilhosamente!) em palestras profissionais. Você pode acessar a playlist pelo neste link: Mitologias. Os mitos são o berço da humanidade, berço que se encontra no nosso próprio inconsciente...  Falarei sobre isso na próxima lição!



 

Se você não caiu aqui de paraquedas e já teve algum contato com o tarô, muito provavelmente já ouviu falar que ele é um instrumento terapêutico. E de fato é. Apesar do senso comum bater na tecla do místico, o tarô é também um espelho do nosso inconsciente. E quando pensamos em inconsciente é impossível não pensar em... psique! A psicologia pode agregar muito quando pensamos o tarô como uma espécie de conselheiro. Dentro da psicologia, existem várias linhas de pensamento que,  no fim das contas, servem a um mesmo propósito: aumentar o conhecimento a respeito de si próprio e diminuir a angústia. Existe porém uma linha  que é mais utilizada quando queremos agregar a psicologia ao estudo do tarô: abordagem junguiana ou psicologia analítica, desenvolvida pelo médico e psicólogo Carl Jung. Aqui, não me prolongarei  muito, pois não seria possível esgotar os ensinamentos desse assunto em um guia de tarô. Mas, de maneira geral (e muito simplificada) é possível "explicar" como o tarô funciona, por meio das teorias propostas por Jung. E quais são elas? 

 

Inconsciente Pessoal: é uma parte da nossa mente que não é acessível, apenas indiretamente. Jogamos todas as experiências traumáticas, lembranças da infância, medos, pensamentos não muito confortáveis lá. Não é um lugar ruim necessariamente, mas é pouco acessível e só conseguimos entrar em contato com ele a partir de terapia, sonhos e pelo tarô.

 

Inconsciente Coletivo: parte mais abissal da nossa mente, à qual não temos acesso nem indiretamente. É um conceito criado por Carl Jung, que dizia ser uma espécie de reservatório de pensamentos, comportamentos, informações e impressões, além de imagens primordiais, que não controlamos e que são herdadas geração após geração. O inconsciente coletivo complementa o inconsciente pessoal. Enquanto alguns dos sonhos têm caráter pessoal e podem ser explicados pela própria experiência individual (fruto do nosso inconsciente pessoal), outros apresentam imagens impessoais e estranhas, que não são associáveis a conteúdos da nossa história, pois são justamente esses sonhos que são produtos do inconsciente coletivo, podendo apresentar imagens arquetípicas. 

 

Arquétipo: são as imagens primordiais citadas acima ou simplesmente modelos. De acordo com Jung, originam-se da constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Nós não nos lembramos dessas imagens de forma consciente, porém herdamos uma predisposição para reagir ao mundo da mesma forma que outras gerações fizeram. A sua experiência de vida é individual, porém o pano de fundo, a estrutura, possui um padrão já vivenciado inúmeras vezes por inúmeras pessoas, transcendendo tempo, espaço e cultura. As cartas do tarô, ou arcanos, são justamente esses arquétipos que são constituídos simbolicamente. 

 

Sombra: é um dos principais arquétipos conceituados por Carl Jung. A sombra é tudo aquilo que o ego não aceita por questão de sobrevivência.  A sombra é o que negamos em nós mesmos e lançamos em direção ao esquecimento. Inclui-se aqui: nossa sexualidade, espontaneidade, agressividade, instintos, covardia, descuidos, paixões, entusiasmos, traumas, etc. Ela abraça desde pensamentos pecaminosos e moralmente inaceitáveis até o simples desejo de querer estudar música, quando uma família impõe que o indivíduo faça medicina, por exemplo. Percebe a questão da sobrevivência? A sombra é emocional por natureza, pois precisa fazer oposição à rigidez do ego. Sendo instintiva e irracional,  é propensa à projeção psicológica, quando atribuímos a outros  nossa maldade e/ou qualidades inferiores que não queremos admitir em nós mesmos.

 

Persona: também considerada um arquétipo, a persona é comumente chamada de "máscara social", pois se trata das versões que construímos de nós mesmos em determinados ambientes. O personagem que apresentamos em nossas ocupações e trabalhos não é o mesmo que apresentamos em casa. O objetivo da persona é subjugar todos os instintos primitivos, impulsos e emoções que não são consideradas socialmente aceitáveis, e que se agirmos de acordo com eles, nos fará parecer loucos. O problema é quando nos identificamos plenamente com essa fachada, acabando por perder o senso de nós mesmos e vivendo de acordo com a opinião alheia. 

 

Self: o self é a totalidade. É quando integramos a sombra, superamos a persona e desenvolvemos alguns outros arquétipos. O self então seria uma soma de tudo que nós somos agora, de tudo que nós já fomos algum dia, bem como tudo que poderíamos potencialmente nos tornar. Segundo Jung, nunca chegamos a essa completude, mas cabe a nós procurar alcançá-la para nos tornarmos indivíduos melhores. É o self que traz à tona o que Jung chamou de processo de individualização, que consiste no processo em que nos tornamos propriamente indivíduos, uma unidade ou um todo separado e indivisível. O principal foco da individuação é o conhecimento de si mesmo. Alegoricamente, a Jornada do Louco é um possível caminho para a individuação, que começa com o Louco (que somos nós) e termina no Mundo. 

 

Figura 2. Modelo psíquico por Carl Jung

 

Vale dizer também que os mitos são as melhores fontes para o estudo dos arquétipos, pois são a base da cultura da civilização. O próprio Carl Jung usou mitologias do mundo inteiro para embasar suas teorias. Quando falamos em arquétipos, os mitos são modelos exemplares, pois são narrativas que oferecem modelos testados ao longo da história, nos permitindo uma referência. Os arquétipos correspondem à estrutura básica do nosso psiquismo, e esses padrões não mudaram muito nos últimos milhares de anos. A vida humana passou por várias transformações em seu aspecto formal, mas em sua essência continuamos com as mesmas necessidades comuns. Porém, é importante frisar que, nas palavras de Murray Stein, grande psicólogo analítico, "o mito também é não literal, simbólico e paradoxal [...], e assim ajuda a tornar atitudes de processos psicológicos visíveis e palpáveis". Ou seja, ter a visão do mito como algo transformador e não meramente como uma história utilizada para se passar lições. 

        Certamente que o campo da psicologia daria pelo menos mais umas quatro (mil!) folhas de informações. Por isso, te convido a mergulhar neste mundo incrível que é a psique. Inevitavelmente você acabará conquistando grandes conhecimentos desta área e agregando em sua vida prática. Mas continuemos com nosso guia...




Ela certamente não poderia ficar de fora, sendo que também é uma forma de transmitir conhecimentos de maneira terapêutica. Mas você não precisa ficar entediado! A filosofia é uma das artes mais incríveis de se estudar quando levada para dentro dos estudos tarológicos. Se bem compreendida e aplicada, a filosofia torna-se uma mão na roda quando o assunto é autoconhecimento - e sabemos como quanto o tarô evidencia isso. Infelizmente, nosso sistema educacional ainda não favorece o lecionar filosófico. Muitas vezes, o aluno não se sente atraído pelo tema, pois o tempo de aula é curto, a didática não é agradável e muito menos construtivista, por exemplo. Mas não me abandona! Se você souber levar esse conhecimento tanto para seus estudos com o tarô quanto para sua vida de modo geral, tenho certeza que muita coisa vai mudar.  Assim como a psicologia, a filosofia também tem muitas linhas de pensamento. Como leitora apaixonada dessa área desde adolescente, sou suspeita para citar algumas delas. Não há apenas uma linha de pensamento para agregar à forma terapêutica de recitar o tarô, mas aponto o Existencialismo francês, o Estoicismo e o Niilismo como as que mais me inspiraram (e ainda inspiram!) nas leituras tarológicas, tanto para mim quanto para o outro. Vejamos abaixo uma breve descrição de cada uma: 

 

Existencialismo francês


Não fazemos aquilo que queremos e, no entanto, somos responsáveis por aquilo que somos. - Jean-Paul Sartre  

 

Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro.- Albert Camus

 

Na visão dos existencialistas, construímos nossos próprios caminhos e concepções de vida no decorrer da nossa existência. A constante busca, no entanto, não permite a compreensão do porquê da existência e daquilo que acontece ao nosso redor. Essa vertente filosófica crê que temos total liberdade e que devemos assumir certa responsabilidade pessoal por isso. Ensina que a ação, a liberdade e o poder de tomar decisões são fundamentais para que superemos a condição essencialmente absurda da humanidade. Porém, é normal ficarmos paralisados e angustiados existencialmente por conta dessa responsabilidade, dessa forma, nos abstemos de fazer as escolhas necessárias. Porém, a "não ação", o "nada fazer", por si só, já é uma escolha, ou seja, a escolha de não agir. A escolha de adiar a existência, evitando os riscos, a fim de não errar e gerar culpa. Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que devemos empreender em busca de nós mesmos. Para essa vertente filosófica, recomendo os vídeos curtos e didáticos do canal "Superleituras". Acesse a playlist neste link: Existencialismo

 

Estoicismo


O que importa não é o que acontece com você, mas como você reage.- Epicteto

Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão te perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder anular este julgamento agora.- Marco Aurélio

 

O estoicismo é uma linha filosófica alguns bons anos mais antiga que o existencialismo. Em termos de possibilidade de aplicação, especialmente nos tempos modernos, o estoicismo supera outras filosofias que tendem a patinar em seus discursos, deixando o ensinamento chato e tedioso. Aqui isso não acontece. Brevemente falando, o estoicismo nasceu em Atenas. Seus precursores foram Epicteto, Marco Aurélio e Sêneca, pessoas de hierarquias muito diferentes (o primeiro era um escravo, o segundo um imperador e o terceiro um exilado), fato que nos prova que a filosofia é para todos. O estoicismo afirma que as virtudes devem ser baseadas nos nossos comportamentos, e não em meras palavras. Ou seja, aja de acordo com o que você acredita e mostre que você é uma pessoa de virtudes, pois não podemos controlar eventos externos, devendo depender apenas de nós e das nossas escolhas. De maneira muito bonita, o estoicismo também nos lembra quão breve é nosso tempo e, portanto, devemos aproveitá-lo da melhor forma possível. Para melhor entendimento dessa linha filosófica, também indico os vídeos do canal "Superleituras". Acesse a playlist neste link: Estoicismo

 

Niilismo


As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.- Friedrich Nietzsche 

É preciso saber perder-se quando queremos aprender algo das coisas que nós próprios não somos.- Friedrich Nietzsche 

    

Hesitei em colocar esta corrente filosófica aqui por conta de algumas críticas duras que ela recebe. Mas considerando que o niilismo nietzschiano me ajudou muito na maneira como eu vejo o mundo e a vida, penso ser algo que pode auxiliá-los também. O niilismo pode ser considerado uma ramificação do existencialismo e é uma abordagem pautada na subjetividade do ser. Não existe nenhuma fundamentação metafísica para a existência humana, assim como nenhuma verdade absoluta. Para alguns estudiosos é uma linha de pensamento pessimista, associada à destruição, anarquia e negação de todos os princípios sociais, políticos, religiosos, etc. Já para outros, a essência da vertente, se observada de maneira mais minuciosa, pode levar à nossa libertação. Aqui, utilizando a visão de Friedrich Nietzsche, estando o homem destituído de normas, crenças, dogmas, tradições, ele terá o poder de reger a sua própria vida (livre arbítrio). Isso resultará na criação de “homens novos”, por meio do que ele denomina de “vontade de potência”. De maneira bruta e, de certa forma, polêmica, Nietzsche diz que ao "super homem" caberia o dever de elevar-se além dos limites estabelecidos pela normalidade, pois nada é mais terrível do que a supremacia das massas. Para esta linha filosófica, recomendo os vídeos (fascinantes!) do canal do "Rafael Jordão", que explicam de maneira simples, (mas ao mesmo tempo profunda!), os ensinamentos de Nietzsche. Acesse a playlist neste link: Niilismo Nietzschiano

 

Figura 3. "O Mago" por Pamela Smith


Não se assuste com toda essa demanda (ao contrário, divirta-se!). A filosofia não é um tema para ser visto como algo penoso e maçante. Leia de maneira despretensiosa; você não precisa entender absolutamente tudo sob determinada linha de pensamento (até porque isso é impossível) e muito menos aplicá-la se para você não faz sentido. O objetivo aqui é a reflexão e como ela pode ser eficaz na hora de interpretar o panorama de uma leitura de tarô. Filosofia gera inspiração, e inspiração é exatamente uma das coisas que mais falta no momento de fazer uma leitura para alguém que está angustiado, ansioso e/ou descrente com a vida. Finalizo deixando a frase inscrita no santuário de meu Deus-pai Apolo, que apesar de batida, ainda me gera muitos pensamentos quando reflito a filosofia como algo a ser cotidianamente repensado, desenvolvido e passado adiante: 

Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.

        Para o bom usuário, o tarô é uma arte que nunca cansa. A todo momento extraímos dele algo de essencial, utilizando deste conhecimento para modelarmos a vida a nosso favor. Porém, lembre-se,  ele é uma ferramenta sagrada, tão antiga que nem calculam mais o tempo da sua existência. Devendo ser tratado, portanto,  com respeito e autoridade. Você tem em mãos algo mágico em todos os sentidos da palavra, e cabe a você transmutar a sua realidade e dos outros ao seu redor, como o Alquimista que possui dentro de si. 



Com maestria da palavra,

Ambrosya. ☉♀

 

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3. REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES ESPECIAIS

 

JUNG. C.G. Os Fundamentos da Psicologia Analítica. 2ªed. Petrópolis: Vozes, 2019.

HALL, C.S; NORDBY, V.J. Introdução à Psicologia Junguiana. 15ªed. São Paulo: Cultrix, 2014.

JACOBI. Jolande. Complexo, arquétipo e símbolo: na psicologia de C.G Jung. 3ªed. Petrópolis: Vozes, 2016.

STEIN. Murray. Jung e o Caminho da Individuação: uma introdução concisa.1ªed. São Paulo: Cultrix, 2020.

BARCELLOS. Gustavo. Mitologias Arquetípicas: figurações divinas e configurações humanas. 1ªed. Petrópolis: Vozes, 2019.

BULFINCH. Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: histórias de deuses e heróis. 34ªed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

SHARMAN-BURKE, Juliet; GREEN, Liz. O Tarô Mitológico. 4ªed.  São Paulo: Siciliano, 1988.

HALLIAM. Elizabeth. O Grande Livro dos Deuses e Deusas. 1ªed. São Paulo: Madras, 2018.

MOREL. Corinne. Tarô Psicológico. 1ªed. São Paulo: Pensamento, 2019.

SARTRE. Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 1ªed. Desterro: Barba-ruiva, 2007.

AURÉLIO. Marco. Meditações. 1ªed. São Paulo: Edipro, 2019.

 

 


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